Eram quase oito da noite e o sol ainda estava no céu. Em poucos raios, mas estava. Era só nisso que Juliano pensava quando atravessava a Faria Lima: uma hora antes, seu amigo Igor telefonou dizendo que tinha um emprego como jornalista para ele, muito bem remunerado, e se ele não poderia estar, dentro de uma hora, no shopping Iguatemi.
E Juliano foi, claro. Estava há quinze dias no Brasil e pretendia arrumar um emprego como jornalista esportivo. Depois de três anos morando na Itália onde fez pós graduação em marketing esportivo e trabalhou no Milan, ele achava que era tempo de voltar para casa e escrever, coisa que ele mais amava fazer.
Nas mãos, o seu currículo que descrevia, em mais detalhes, todo o seu histórico profissional, desde os tempos de atleta de base, até quando torceu o joelho e ficou de fora da seleção sub-20, terminando na faculdade, que assim o levou para pós graduação na Itália e intermináveis estágios pelo Brasil e pela Europa.
Entrou na agência e logo foi recebido por Igor, seu velho amigo, que explicou que a grana era muito boa para quem tinha bom texto e conhecimentos de futebol como ele tinha. E isso, modéstia à parte ele tinha mesmo: cobrira a Copa do Mundo e a Libertadores, além de muitos campeonatos italianos. Sem contar, claro, todas as vezes que viajava com os amigos para ver as partidas espanholas e os dribles ingleses, inloco, claro. Juliano, profissionalmente, estava mais que apto para trabalhar em qualquer coisa que envolvesse esportes e escritas.
Pelo menos era o que ele pensava.
- Seu currículo é impressionante. Eu li seu blog, que belo texto você tem.
Ele não se constrangeu quando o entrevistador disse estas palavras, mas também não se inflou de vaidade. A entrevista fluiu muito bem: Juliano sabia de cor da escalação da seleção de 70 (incluindo os reservas) e sabia discursar sobre todos os últimos escandâlos da temporada do futebol italiano com propriedade. Tudo ia muito bem até a pergunta final:
- Mas, afinal, que time você torce?
Juliano usou a resposta de bate pronto para este tipo de pergunta: "Sou profissional". Se você cobre política, não pode ter partido político. Se cobre esportes, não pode ter time. Cedo ele aprendeu isso e assim ficou. Mas, aqui entre nós, eu revelo a verdade: Juliano é palmeirense. Não tão fanático como o Paulinho, mas palmeirense.
- Pode falar, rapaz, estamos entre amigos. Você tem que ter um time do coração! Time faz parte do DNA do brasileiro, mesmo que você não acompanhe, no mínimo você deve ter herdado algum da sua família.
Nesta hora, Juliano titubetou: seu nome e seu passaporte italiano denunciariam cedo ou tarde que seu avô foi um dos fundadores do Palestra Itália e que sua nona até hoje fazia as massas para o festival beneficente de junho na Turiassu. E, sem saída, respondeu de uma única vez: "Palmeiras".
Em segundos, Juliano se sentiu como um republicano no Afeganistão: o entrevistador, decepcionado, parecia ter ouvido o estalar de uma bomba atômica. Depois de um silêncio ensurdecedor, ele esclareceu:
- O Igor não mencionou este "detalhe tão pequeno". É que a vaga é para corintianos.
Durante dois segundos, Juliano pensou nos princípios da Constituição que estavam sendo violados, sem falar os da CLT: a legislação vigente impedia qualquer tipo de discriminação. Não existe isso de vagas para corintianos, palmeirenses ou santistas. Se for assim, que trabalho farão os são paulinos?
Ele pensou mais um pouco e decidiu não falar absolutamente nada legal, azar o dos caras que não leram que ele cursou três anos e meio de Direito. E perguntou apenas: "Como?"
- Não posso dar muitos detalhes porque o patrocinador em questão quer sigilo. Mas é que este é um projeto para o centenário do Corinthians e o patrocinador quis que absolutamente tudo fosse corintiano, incluindo o jornalista para redigir o frila.
Juliano pensou em xingar o cara nas cinco línguas que dominava, mas, ao invés disso, argumentou que antes de qualquer coisa ele era profissional e que nunca tinha sido descartado de um emprego por causa de uma besteira daquela.
- O que você chama de besteira, meu filho, nós chamamos de protecionismo, fina escola da economia americana, a mesma que ajudou a fuder o mundo no ano passado.
Sem ter mais o que dizer (na verdade ele tinha, mas não iria perder seu tempo) Juliano agradeceu o tempo que desperdiçou e foi embora. E, enquanto atravessava a Faria Lima de volta para casa, o telefone tocou: era Igor, lamentando que que o emprego não deu certo e falando de uma vaga para gerente de comunicação... no São Paulo Futebol Clube.
Este delírio foi concebido ontem depois que eu recebi o seguinte e-mail:
"Jornalista Corinthiano e que goste de futebol para um frila de uns três
meses. Não pode estar trabalhando, pois o trabalho exige disponibilidade para
entrevistas. Possibilidade de pegar novos frilas se o desempenho for bom."
sexta-feira, 20 de novembro de 2009
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