terça-feira, 24 de novembro de 2009

Da lama ao caos

Não sei se foi a conversa toda sobre a integridade (ou inteligência, como meu guru prefere dizer) do Iron Maiden mas o fato é que ontem eu estava lembrando- muito- do passado recente. Estava perdida nos pensamentos da época em que diversão era pegar o trem para São Paulo, comer no Mc Donald´s e just hung out na Galeria do Rock. Deve ser por isso que eu perdi a entrada para a pedagiada na Castelo e tive que fazer um retorno... em Osasco.

Chovia muito e como o meu carro é muito filmado, eu não conseguia ver muita coisa. Pedi ajuda às placas e fui seguindo diretamente para a Castelo novamente quando o carro patinou. Barro, aqui?, pensei. A placa estava certa, eu lembrava, era aquela saida mesmo. E era mesmo muito barro, tanto que eu fiquei atolada. Pus a primeira, acelerei ao máximo e o único raciocínio era porque eu não tinha um carro com tração nas quatro rodas, que falta fazia numa hora daquelas. Se eu tivesse uma Jeep Cherokee, meu sonho master de consumo, eu não estaria ali, embaixo de chuva, sozinha, atolada. Estava na lama.

Quando eu não sei o que fazer na vida eu ligo pro meu guru. Além de ser meu guia espiritual e emocional, ele também arruma o relógio do microondas, instala a impressora e desbloqueia o DVD- pelo menos tenta. Nilton, sou eu, estou atolada, o que eu faço? Aguarda um instante que eu to abrindo o computador para pegar o telefone da ViaOeste, em 15 minutos eles estão ai e você vai para sua aula.

ViaOeste boa noite, em que posso ajudá-la/ Oi, estou atolada aqui na Castelo. Senhora, não administramos nenhuma via de terra senhora, não podemos fazer nada. EU ESTOU NA CASTELO BRANCO, ATRÁS DO ACOSTAMENTO, EMBAIXO DA PLACA DO OUTBACK, ATRÁS DO EXÉRCITO, NA SAÍDA DO HELENA MARIA, EU ESTOU NA CASTELO E VOCÊ VAI MANDAR UMA RONDA ME BUSCAR AGORA. Tararararararara (nossa, como eu odeio Para Elisa). Senhora, estamos mandando um guincho, está trânsito na Castelo mas em quinze minutos eles chegam aí.

Desespero? Não, são apenas 15 minutos. Ivy, me liga de volta depois que falar na ViaOeste, quero ficar com você na linha caso aconteça alguma coisa. Oi Nilton, to aqui, ainda está chovendo muito, eu não estou enxergando nada. Calma, eles chegam ai em 15 minutos.

Não chegaram. Me ligaram dizendo que não sabiam onde eu estava e que não poderiam fazer nada para me ajudar. SE VOCÊ NÃO PUDER QUEM PODE MINHA FILHA? EU TENHO O SEMPARAR E PAGO ESTE MALDITO PEDÁGIO PARA VOCÊ MANDAR UM GUINCHO VIM ME TIRAR DAQUI. Tarararararararara (eles não têm noção de que eu odeio Para Elisa?). Senhora, estamos mandando o resgate novamente.

Nilton, eles estão de má vontade, não estão querendo vim, dizendo que não me acham, eu estou embaixo da placa do Outback. Ivy, liga para polícia, AGORA. Alô, polícia, eu to aqui presa na Castelo,a Viaoeste diz que não sabe onde eu estou e não manda socorro. Repita onde você está. Repeti. Calma, você está em Osasco, estou mandando as viaturas.

Neste exato momento, duas batidas na janela. Já não chovia, mas estava escuro. "Baixa o vidro, nós estamos aqui para ajudar". Nunca tinha ficado atolada, nestes quase dez anos que eu tenho carta nunca nem um pneu eu furei e de repente eu estava ilhada com duas pessoas que eu não conhecia batendo no vidro do carro. Quem me garantia que eram boas pessoas?

Ivy, abre o vidro e deixa que eu falo com eles, a viatura já está chegando ai de qualquer jeito. Dois jovens se apresentaram. Era o Ricardo e o Leandro, nunca tinha visto na vida. Calma dona, eu sou trabalhador, olha aqui o meu crachá eu não vou te machucar. A senhora é a segunda pessoa que fica atolada hoje, peraí que nós vamos te tirar daqui.

Ali eu completamente desabei, o policial do outro lado da linha me acalmava e falava para depois que eu tomasse banho processasse a Viaoeste por tamanho descaso. O tanto de pedágio que eu pago e quem me tira da lama e do caos são dois desconhecidos, dois bons homens que sabiam que a única ajuda que eu teria ali era deles.

Mais uma hora e o carro estava solto. Só que eu não tinha condição de dirigir: o Ricardo me explicava como segurar o volante reto para voltar. Não ia dar certo. Então passa pro outro lado que eu te deixo no asfalto. Em cinco minutos eu vi o asfalto, nunca pensei que o asfalto fosse tão bom. Mas mesmo assim eu não conseguia parar de chorar. Onde eu estou? Você está em Osasco. Onde em Osasco? No Piratininga.

Meu Deus, se tivessem me falado isso antes... eu estava atrás da escola do meu irmão, do trabalho da minha mãe, este tempo todo eu estava... do lado de casa. Piratininga era onde morava o Everaldo, meu amigo da escola. Ele virou engenheiro e rodava o país de obra em obra, construindo barragem, tinha tido um filho em janeiro, o Enzo e eu não via os pais dele desde o natal de 2007.

Moço, o senhor pode me levar pro jardim I.A.P.I., por favor, que não to em condições de dirigir? Ele me olhava estranho, pela primeira vez: o quê aquela loira peituda de salto sabia que o jardim I.A.P.I. existia? Onde no I.A.P.I.? No último prédio da rua da feira.

Em cinco minutos, eu estava novamente na porta do prédio que tanto eu visitei. Tinha rodado o mundo e se passado dez anos, mas eu não esquecia o caminho, nem o telefone de casa, nem que a mãe dele chama Alice e o pai, Everaldo sênior, que eu sempre chamei de Bob Pai. E tinha o Wesley também. Um deles estaria em casa, eu tinha certeza. E estava, era Alice, preocupada desde que eu tinha ligado dizendo que estava chegando.

Como nem no elevador eu sabia chegar, um vizinho me deixou na porta de casa. Alice me recebeu com um abraço apertado e um chá de cidreira, me fez explicar a história toda para dizer no final: "Que bom que pelo menos você estava perto de casa". Ela estava certa: eu morei em Genebra e Nova York e rodei este mundo, mas nunca tinha saído dali. Eu estava em casa e nunca aquilo foi tão bom.

O resto da família chegou e uma vez explicada a história, todo mundo ria de como eu consigo ser desmiolada a ponto de entrar num antigo acesso da Castelo. E ainda ficar atolada e me descabelar toda. E ficaram felizes porque tudo tinha tido um final feliz.

Eu realmente fiquei cansada demais e não tinha mesmo condição de dirigir de volta para São Paulo. E, envergonhada, perguntei: Eu sei que tem anos que u não faço isso, mas eu posso dormir aqui hoje? Mas Ivy, você estava achando mesmo que iria embora?

Antes de sair de casa eu falava com a Elaine sobre as pessoas que valem a pena. Hoje eu dou graças a Deus pelo tempo ter passado e pessoas como aquelas que me socorreram onte não simplesmente passaram por mim.Elas ficaram e eu, ali naquele velho Piratininga, me senti the luckest girl in the world.

Me lembrei do que tinha falado antes para Elaine, de que para cada uma pequena decepção vem uma grande emoção e como a vida nos compensa o tempo todo. Pensei que existem 6 bilhões de pessoas no mundo. Destas, quantas podem ter amigos tão verdadeiros, que te recebem de braços abertos com um chá de cidreira mesmo que você não aparece lá há anos? Quantas pessoas podem ter amigos como o Wesley, que cedem o quarto e o pijama para eu dormir depois de tanto tempo que eu não frequento aquela casa? E comer a melhor comidinha de mãe de amigo do mundo feita especialmente para mim? E quem pode dizer que tem um primo maravilhoso como eu tenho, que fica o tempo todo falando para ter certeza que nada vai me acontecer? E, acima de tudo, quem pode dizer depois que foi resgatada por um morador de rua, que não me pediu absolutamente nada em troca?

Eu não sei quanto as outras 5,9 mas eu posso dizer sim a todas estas perguntas. E, apesar de todo o cansaço, eu me sinto extremamente feliz em poder responder afirmativamente a todas elas. Mesmo.

Ah, e quanto a ViaOeste... eles que me aguardem!

Um comentário:

Elaine Patricia M. disse...

Como poderia existir alegria sem os amigos?