sábado, 9 de abril de 2011

Jovens tardes de Paris




Seu Reali, Renate e eu, felizes da vida ao lado de um dos nossos ídolos. Depois, ele, eu e dona Amelinha no apartamento deles em Paris (também conhecido como embaixada brasileira de jovens jornalistas).


Certa vez, um conhecido autor norte-americano escreveu que é uma felicidade ser jovem em Paris. E é mesmo. Cheguei muito jovem à Gare de Lyon pela primeira vez e hoje tenho lembranças incríveis para contar. Neste fim de sábado, vou contar a do dia em que conheci o seu Reali. Tudo porque, a partir de hoje, todo verbo usado junto ao nome dele terá que ser conjugado no passado (Reali Jr foi um dos maiores nomes do jornalismo brasileiro, Reali Jr foi um grande repórter de rádio, Reali Jr foi um grande marido, Reali Jr era pai de quatro meninas). Infelizmente.

Mas voltemos a Paris. Paris tem várias máximas, como a do Hemingway. A que eu conheci logo cedo é que não se pode ser correspondente internacional em Paris sem antes pedir a benção ao seu Reali Jr. Acontecem coisas mágicas em Paris e conhecer o seu Reali foi uma delas: não há jornalista que não ponha os pés em Paris que não vá direto a casa dele. Ia, Ivy, ia...

Toda uma mágica envolve, quer dizer, envolvia o processo. Era assim: você dizia na redação que estava indo morar em Paris e alguém lhe dava um papel com o nome e o telefone do correspondente da Jovem Pan e do Estadão. "Assim que você chegar em Paris procura o Realinho", diziam aqueles que, claro, tinham intimidade com ele. Foi um destes que deu o telefone dele para a minha melhor amiga e sócia no jornalismo, Renate Krieger. Ela chegou em Paris e foi procurá-lo. O fato é que a gente chegava nele, sabe-se Deus como, mas chegava.

Quando eu cheguei em Paris, no dia do aniversário dela, aliás, estávamos fazendo um piquenique de aniversário no Champs de Mars quando ela falou que eu tinha que conhecê-lo. Um mês depois, liguei e perguntei se poderia falar em português com ele. "Pode bem!" (o seu Reali chamava todo mundo de "bem").

Ele estava muito ocupado e perguntou se poderia ser semana que vem. Levei um susto: tipo, o cara era o Reali Jr e perguntava se eu poderia ir semana que vem? Quem tinha que poder era ele, não eu, eu podia qualquer dia, qualquer horário. Mas, antes de desligar ele perguntou: "Mas é urgente bem? Senão você vem aqui hoje". Não era, não.

O que era é que Renate e eu éramos duas jovens em Paris com fome, sede e saudades do jornalismo. Queríamos viver de jornalismo, se é que aquilo era possível. E, numa tarde chuvosa, lá fui eu. Ele não estava. A Renate disse que todo mundo disse que ele nunca estava na hora que a gente chegava. Eu não sei porque aproveitei para dar uma volta no quartier e estava indo ver a casa do Victor Hugo quando ele me ligou, dizendo que já voltara. O que era a casa de Victor Hugo perto da do seu Reali? Para mim não era nada e lá fui eu correndo.

A porta foi aberta por um senhor gordinho e muito, mas muito feliz. Naquela tarde, em meio a café e doces (ele oferecia doces pros jovens), seu Reali riu muito. Contou muita coisa também. Mas o que ele mais fez foi ensinar. Ensinar que dava para ser honesto, ser justo, ser humilde, ser pai de família, ser marido amoroso e ainda por cima ser um grande jornalista! Saí de lá inspirada.

Quando comentei com meu pai, uma semana depois, ele quase me matou. "Você tirou foto? O que, não tirou foto? Tem que tirar uma foto para mandar pro seu tio, que é fã dele". Foi então que tive o privilégio de voltar lá e Renate foi comigo.

Desta vez, a porta foi aberta por uma senhora ma-ra-vi-lho-sa. Linda, estonteante, dava de dez na Vera Fischer. "Agora entendo a quem a Cristiana puxou", disse ao olhar naqueles lindos olhos verdes da dona Amelinha, a mulher de verdade do seu Reali.

Ficamos a tarde toda conversando e nunca vou me esquecer da pergunta estúpida que fiz para ele: "Seu Reali, é verdade que no tempo da máquina de escrever os jornalistas jogavam futebol de meia na redação da Major Quedinho?". A resposta foi uma grandiosa gargalhada.

"Minha filha, o tempo da máquina de escrever foi ontem!", riu muito o seu Reali. "E, sim, era verdade isso e quem apitava o jogo era o seu Mesquita. Aí chegaram os computadores e, por causa dos cabos, não podíamos mais trocar a mesa de lugar, por isso que o futebol acabou".

Dona Amelinha perguntou a minha idade. "23", respondi. "23, 23... em que ano você nasceu?". "1981". "1981, 1981... nossa Ju, em 81 nós estávamos comemorando a vitória do Mitterrand com o Claudio Abramo e o Paulo Francis, lembra? Foi ontem isso! Agora eles deixam bebês serem repórteres!".

E era assim que eu me sentia ouvindo a dona Amelinha falar de lendas que para ela tinham sido vivas um dia. Para mim eram só lendas- e eu aproveitava ao máximo a oportunidade de estar ao lado de uma delas, para mim uma das maiores.

Tenho saudades daquelas jovens tardes de Paris. A partir de agora, terei saudades do seu Reali também. Saudades, saudades, saudades.