segunda-feira, 13 de abril de 2009

A hora

Nem parecia que finalmente era hora. Hora para por para fora tudo o que estava engasgado, toda a angústia, os sentimentos embutidos. Não, não havia ali ódio, raiva, era amor, somente amor. Os olhares fulminantes se perguntavam quem daria o primeiro passo. Quem beijaria quem? Quem iria tentar?

Foram longos anos até chegar ali. Uma paixão dividida entre duas pessoas que não podiam tê-la, sentir. Era apenas desejo, imaginação, tentação. Por todas as convenções sociais, todos os valores, todas as coisas, tinham se sufocada. Resolveram que não poderiam mais. Pelo menos, só naquela noite, naquela hora.

O quarto barato de motel foi a única coisa que restou do encontro, porque os dois desapareceram. Aqueles que ali entraram, não em busca de prazer, mas de saciar os ânimos mais íntimos, nunca mais foram os mesmos. Chegaram, um depois do outro. Primeiro ele, nervoso, como se fosse a primeira vez. Era. Com aquela mulher cheia de loucuras, misteriosa e repleta de contradições que desde o primeiro dia o atraiu. Ela, que confessou ser louca por ele não foram poucas as vezes, mas que nunca se entregou. Se recusava a baixar a guarda. Mas, por estas coisas da vida, ela tinha se rendeu ao seu maior inimigo, sua maior ameaça.

Mais uma vez, se cruzaram ao acaso. Mas aquele, por ser o maior de todos, foi interpretado como sinal do destino. Todas as outras vezes havia um motivo plausível: ambos tinham a mesma profissão, frequentavam os mesmos lugares, gostavam das mesmas coisas. Aquela tensão entre os dois se dava a cada encontro de uma maneira que só eles podiam enxergar. Era tesão? Era, mas era mais. Era muito além. Por isso, ela recuou e preferiu lutar contra aquele que despertava os mais profundos sentimentos, que era a maior avalanche emocional que já tinha enfrentado. Era perigoso.

Mas, naquele fim de tarde, na beira de uma estrada, tão longe de casa, não fazia sentido não se entregar. Ela entrou apressada no posto de gasolina, estava frio, ela usava um casaco quente, rosa. Lembrou-se de comprar qualquer coisa e entrou na lojinha, aonde ele estava, na fila do caixa. Os dois se viram. E se olharam mais uma vez, numa tentativa de acreditar que aquilo não era possível. Era. E a atração estava ali, como quando dois ímãs puxam um ao outro. Se puxaram e perguntaram o trivial. O que você está fazendo aqui? Estou indo para o outro lado, mas não tenho pressa. Tenho toda a pressa do mundo, só tenho uma hora. Bastava. Olhou sem desviar o olhar. E não precisou falar: seria hoje, seria agora, seria ali perto, provavelmente, mas seria. Finalmente seriam beijos, abraços, afagos, loucos, loucos toques, a maior de todas as vezes. Para os dois.

Ele não conhecia as redondezas e perguntou para o caixa, discretamente, onde haveria um lugarzinho por ali. Não muito longe, na beira de uma estrada, um motelzinho nada convencional, como se fosse um chalé. Desenhou-lhe um mapa e pediu para entregá-la, enquanto dirigia. Chegou. E esperou, nervoso, os minutos mais distantes de todos os minutos do mundo.

A porta se abriu. E ela entrou com um olhar curioso naquele quarto com as janelas semi-abertas, a cortina filtrando a luz alaranjada que vinha do sol. Era a hora. Sem tirar os olhos dos olhos, jogou o casaco no chão. Soltou o cabelo preso no coque e sorriu, só sorriu. Fazia tempo que ele não via aquele sorriso, ali, aberto, só para ele. No começo ela sorria, mas, quando sentiu a ameaça, tornou-se a mais emburrada das guerrilheiras. Quando sorria perto dele, era um sorrisinho que não tinha jeito de não sorrir. Mas ficava curtinho, ela abaixava a cabeça encabulada, porque sabia que não podia sorrir para ele. Não para aquele que amava. Mas ali, naquela hora, ela sorriu.

E foi sorrindo que ela foi ao seu encontro e eles se olharam de perto sem saber o que fazer. Ela encostou a cabeça no ombro dela como se pedisse conforto, colo, carinho. E era o que ela queria: não era somente uma, duas ou todas as noites de amor. Era mais. Era além do que se podia pensar, do que se podia prever. E ele o fez. E ficaram ali até encontrarem suas bocas e respirarem juntos. Se beijarem com doçura, delicadeza, sonho.

Mas ela tinha hora para depois dali, só tinha aquela hora. O jeito foi abrir as portas para o desejo e colocar em prática todas aquelas fantasias nunca reveladas nem para o travesseiro. E se tocaram da maneira mais sensível que um toque selvagem pode ter. E se amaram com rapidez, que pareceu ter durado a eternidade.

Sem palavras. Os dois não tocaram nenhuma palavra. Se vestiram e saíram. O sol tinha se posto, mas havia os seus rastros laranjas no céu. Aquela noite de inverno, sabe-se lá como, virou a mais quente noite estrelada de verão. E, mais uma vez, ela interpretou aquela mudança climática tão comum em tempos de aquecimento global, como outro sinal. E saiu do chalé de mãos dadas em direção ao topo daquela colina esverdeada à sua frente. E se sentaram como se estivessem olhando o mar na praia pela primeira vez, maravilhados. Ela encostou em seu peito: queria mais colo. E os dois se deitaram, olhando o céu, enquanto ela se divertia brincando com os botões de sua camisa. Passava a mão em cada pedaço de pele, conhecia cada pêlo, numa tentativa de descobrir tudo aquilo que sempre desejou.

Ele acariciava seus cabelos molhados quando fez uam pergunta inocente, que se transformou em uma resposta e eles, pela primeira vez, conversaram como sempre quiseram conversar. Falaram de tudo, livro, discos, amores. Do sorvete preferido e do dia em que caiu do skate na rua. E, naquela hora, atualizaram a vida toda. A conversa parou quando a urgência por mais beijos foi se fortalecendo. E ali mesmo, no alto daquela colina, houve uma noite quente e estrelada de verão no mais perfeito inverno de julho.

Um comentário:

Bibi disse...

Ai meu Deus!!!! Isso é real!? Isso pode ser real!!!!???? Estou tão encantada! Tão maravilhada! Vc me levou para dentro do enredo! Quero escrever assim! Quero viver assim! Quero ter coragem para me libertar de tanta coisa presa e escondida! Amo seu texto! Que OTIMO que a vida nos aproximou!