quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Ponto de Partida

Eu nasci na Lapa. Mas, por conta de mil e uma coisas, me mudei com minha família para a distante terra de ninguém chamada Osasco. Eu tinha nove anos na época. E como Osasco é Osasco, eu nunca deixei de frequentar São Paulo. E toda vez que tinha um motivo para ir para São Paulo, seja médico, dentista, aeroporto, eu passava pela Lapa e me sentia bem. A Lapa era a única coisa que eu realmente conhecia bem naquele mundaréu que era São Paulo.

Não sei se eram as lembranças da infância ou se era pelo fato de não ser estranho, mas o bairro era um porto seguro para mim. Sabia que se estivesse em qualquer canto da cidade, era só voltar para Lapa que tudo daria certo.

Sai de Osasco e, com um Nike 35, eu corri mundo. Morei em Nova York, em Paris, em Genebra, mas sempre que via algum detalhe que parecia com a Lapa eu dava um jeito de me aproximar. Era um jeito de ficar perto do que a minha vida era quando começou.

Voltei para São Paulo e não fui morar na Lapa. Escolhi a Vila Madalena porque era perto do metrô e da PUC. Na verdade, Lapa era a infância, a Vila, adulthood. E hoje, mesmo morando há tempos na Vila, ainda me sinto mais segura na Lapa. Parece que nada vai me acontecer lá, tanto que eu ando de vidros abertos e não tenho medo de assalto, como se as pessoas ainda me conhecessem, como se eu ainda morasse lá.

Estou escrevendo tudo isso porque ouvi a história de um cara que namora há anos uma menina em sua cidade natal, mas mora numa capital e mete chifres adoidado na coitada. Me perguntaram: será que ele a ama? Eu acho que do mesmo jeito que eu não amo a Lapa, mas a tenho como porto seguro, este cara deve ter esta garota como o canto para ir quando não se tem mais o que fazer.

Certas pessoas precisam se um porto seguro, seja ele uma pessoa física ou jurídica. Mas precisar não significa amar. A definição que mais gosto de amar vem de um filme adolescente chamado The perfect guy em que o Chris North conta que um homem apaixonado é aquele que prefere ficar com a mulher amada sendo que ele poderia estar em qualquer lugar do mundo.

Eu poderia estar na Lapa, mas prefiro deixar o bairro no meu coração como um porto seguro, não como o bairro de cada dia. E acho o mesmo deste e de outros caras que mantém um relacionamento simplesmente para ter onde ir quando não se tem mais para onde ir. Amar é querer ir, não ir por falta de opção.

Aliás, amar é bem mais que isso. Amar é cuidar, respeitar e, se for o caso, abrir mão da pessoa amada para vê-la feliz. Nós não abrimos mão dos nossos portos-seguro, porque senão não seriam seguros, seriam qualquer porto. Porto seguro é aquele lugar ou aquela pessoa que no matter what, would be there. E amar é estar com a pessoa que se ama no matter what.

A Lapa fez parte de uma fase de uma vida, hoje não faz mais. Acho um erro insistir no que se passou. Acho estas relações porto seguro isso, a insistência em querer algo que já deu.

Claro deve até ter algum sentimento em uma relação porto-seguro/marinheiro. Mas, como já disse Renato Russo, eu acho que isso não é amor.

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