terça-feira, 1 de setembro de 2009

Em Casa

Acho que uma das maiores desvantagens do celular é chegar em casa e ver que sua secretária eletrônica não tem mensagem nenhuma. Umazinha sequer… A pessoa liga na sua casa, você não está e imediatamente, num reflexo quase automático, ela liga no seu celular. Além de ser encontrado, a pessoa que ligou pode deixar o recado no seu celular. E é óbvio que você pegará o recado do aparelho móvel antes do de casa. Por isso, a fala mais comum das secretárias eletrônicas hoje em dia é “você não tem recado nenhum”.

Pois bem, dia destes chego tarde da noite em casa e vejo a minha máquininha piscando. Eba! Alguém se lembrou de mim, pensei. Ou melhor, alguém não só se lembrou de mim como quer que eu me lembre dela, continuei a pensar. Tudo até ouvir o seguinte:

Boa Tarde, meu nome é Maria e estou ligando para deixar uma mensagem positiva da Bíblia.

Incrédula do que ouvia, não prestei atenção nos detalhes da mensagem, mas a Maria dizia algo mais ou menos assim:

O Senhor mandou te dizer no capítulo tal, versículo tal que vai acabar com todas suas dores, inclusive a morte. Se quiser conforto, nos procure na rua tal, número não sei lá o quê.


Eu fiquei tão passada com a ligação que não ouvi as demais. Eu já tinha recebido ligações de todo tipo: vendendo aspirador de pó, revista, pedindo doação para entidade X e até de criminosos dizendo que estavam com o filho que eu não tenho em mãos. Mas mensagem positiva do Senhor era a primeira vez.

A primeira coisa que eu fiz foi me questionar. Será que Deus estava reservando a morte para mim ou alguém próximo? Será que eu, que estava tão feliz naquele momento, estava passando por momento de dores e não me dava conta disso? Por que tinha que ser aquela mensagem? Por que aquela mensagem estava na MINHA secretária eletrônica? Eu, que creio muito na teoria do “que nada é por acaso”, ia começar a ficar ressabiada quando me lembrei que se Deus quisesse mesmo falar comigo, ELE mesmo me telefonaria ou pediria para o Gilberto Gil me localizar e não mandar uma Maria que eu não sei quem é me ligar.

Depois de concluir que não, eu não iria morrer, e sim, Deus não acabará com dor alguma porque não existe, passei a pensar que se eu fosse daquele tipo de pessoa que acredita em tudo, que interpretaria o tal recado como uma verdadeira mensagem do além túmulo, estaria literalmente fudida. Não dormiria com medo da morte, ficaria assombrada com que meu pai ou minha mãe morressem. Felizmente eu não era.

Mas, infelizmente, eu sou uma pessoa curiosa e não apaguei a mensagem para ligar lá e descobrir do que se trata. E mais: dar uma bela lição de moral. Quem aquela Maria pensa que é para ligar no telefone de quem ela não conhece (logo, não deu o número para ela) e deixar este tipo de recado cretino? Onde ela arrumou o meu número? Se ela queria me deixar uma “mensagem positiva”, por que não escolheu uma falando de vida, amor, paz? Na Bíblia tem um monte destas passagens bonitas e felizes! E ela tinha que me aterrorizar deste jeito? Já que eu não estava em casa, ela que tentasse ligar de novo e falasse pessoalmente o recado DELE. Mas como ela não tinha o meu celular…

Estas questões foram só ficando na minha cabeça porque eu nunca tinha tempo de ligar de volta. Mas a intenção era esta mesma, ligar lá e dar um esporro nela. Como se não bastasse esse monte de gente que te para na rua ou toca na sua casa para falar de Deus, agora eu tinha que aguentar também ligações? Mas até que fazia sentido, a única ferramenta de propaganda que faltava este povo usar era o telemarketing mesmo…

Eis que um belo dia fui viajar e retornei oito dias depois. A secretária psicava incessantemente. Eram oito mensagens, a antiga da Maria e sete novas da minha mãe (só podia). Fui apagando uma por uma e, sem querer, apaguei também o recado do Senhor… E nem consegui anotar o telefone e o endereço da procuradora DELE para retornar a ligação…

Um conhecido chegou em casa e comentou que não tinha mensagem alguma na minha caixa postal. Lembrei- me do ocorrido e contei a história para ele. Resolvi escrever de uma vez, porque esta ligação é daquelas que realmente entram na série do “Só poderia ter acontecido comigo”.

Ah, e se quiser me ligar para comentar mais esta crônica, tudo bem. Eu gosto de recados, desde que eles não sejam de Deus.

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