sábado, 21 de maio de 2011

O Brasil mostrando a sua cara



O autor é o mesmo. Os atores são os mesmos. A trilha sonora e o encerramento das cenais finais são os mesmos. Mas o Brasil... quanta diferença! Hoje o telespectador pode ver dois países diferentes na TV: de um lado, Vale Tudo (1988) e, do outro, Insensato Coração (2011), ambas de autoria de Gilberto Braga, conhecido como retratista da realidade brasileira corrente.

Se em Vale Tudo, exibida pelo canal Viva na TV a cabo, a jovem protagonista de Glória Pires, Maria de Fátima, sonhava com a Europa, em Insensato Coração a igualmente mocinha Marina interpretada por Paola Oliveira troca Milão pelo Rio de Janeiro em busca de um promissor mercado para o seu escritório de design.

Com Antonio Fagundes a mudança foi ainda mais brusca nestes 22 anos: de funcionário ele se tornou um self made man, homem que fez a própria sorte como empresário. Os diálogos em inglês e em francês dos vilões de Vale Tudo, sempre regados a whisky e foie gras, foram substituídos pelo cozido e a cerveja em um bar na Lapa durante um encontro romântico dos mocinhos.

Fica claro as diferentes realidades econômicas e sociais dos brasileiros. As mudanças são evidentes: ao invés de começar a contar a história em outros países, recurso tão recorrente da dramaturgia brasileira, Gilberto Braga viaja para Florianópolis no começo da segunda década dos anos 2000.

No Brasil de 88, os personagens fumam, soltam o verbo e falam os mais abusados impropérios, como “que horror é descer no Galeão e ver a Ilha do Governador”. Agora, na era do politicamente correto, até na ficção está a campanha pela prática de esportes e uma vida saudável.

Fica até divertido imaginar como se comportariam as criaturas de Gilberto Braga nestes diferentes cenários. Seria possível visualizar a ex-participante de um reality show como a Natalie Lamour de Deborah Secco dando entrevista para a engajada repórter vivida por Lídia Brond na revista Tomorrow? Aliás, fica praticamente impossível pensar em um perfil de uma figura destas em uma publicação alto nível como a dirigida pelo jovem cheio de idéias de Marcos Palmeira, o redator Mario Sergio.

O mais interessante, entretanto, é ver nitidamente como a economia brasileira cresceu e se fortificou até mesmo na telenovela. Em Vale Tudo, a mocinha desempregada interpretada por Regina Duarte tem que se virar vendendo sanduíche na praia para sobreviver. Viajar para os Estados Unidos era coisa de muito rico, como Odete Roittman, dona de uma companhia aérea.

Em Vale Tudo, as tramas são baseadas na ascensão social dos personagens- alguns por vias éticas, outros nem tanto. Os conflitos, ao contrário da maioria das novelas, não são de natureza puramente amorosa e sim moral. Hoje, com o país em franca expansão econômica, ninguém mais quer ver a luta de um filhinho de papai tentando se encaixar na empresa da família: agora que o pão é farto na mesa, o brasileiro quer ver mesmo quem fica com quem.

Seja às oito ou às nove, Gilberto Braga continua sendo expert em responder a uma velha questão: afinal, que país é este?