quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Ser Repórter, parte II



Quando escrevi para o finado- e saudoso- Sampacentro, um amigo da minha ex-madrasta mandou um e-mail desaforado para o site classificando meu artigo como uma "redação mal acabada de colégio“. Confesso que fiquei chocada. Ele, que se dizia culto, letrado e que escrevia perfeitamente bem não se conformava de eu, jovem de 22 anos, ter publicado um texto sobre as diferenças entre São Paulo e Nova York e ele não. O e-mail foi uma clara demonstração de inveja, tanto que as editoras do site convidaram o cara para escrever um texto melhor, já que ele achava o meu tão ruim. Ele, claro, não respondeu.

Depois, passei a escrever para o blog do Noblat e sempre recebia mensagens criticando não o conteúdo ou as minhas opiniões e sim o simples fato de eu estar num espaço, que, teoricamente, não era digna de estar. O mesmo aconteceu na Rolling Stone: fãs de música xiitas, que se consideravam os sábios da montanha do rock, e jornalistas de publicações menores chegaram a fazer um verdadeiro complô, porque achavam um absurdo eu estar ali. Um deles chegou a dizer no Orkut que quem meu ex-chefe pensava que era pra ter contratado uma pessoa sem nome como eu para trabalhar na Rolling Stone Brasil, nossa, a Rolling Stone, o santo graal do jornalismo brasileiro (até parece).

Eu nunca entendi esta inveja que o povo tinha de eu escrever e eles não. Até hoje.

Em um mês eu fui pro Cambuci pela primeira vez e descobri a avenida dos Lava-Pés. Andei mais um pouco e cai na casa d' osgemeos, onde conheci a Nina, que me contou uma história incrível sobre a arte de rua. Fui no bota-fora da Renata e o Gustavo, onde reencontrei uma ex-colega de escola, que jogou no meu time de handball, filha da minha ex-professora de Química. Peguei carona com o Paulo Maluf da rua Santa Ifigênia até a avenida Nove de Julho, fiz a dieta do Dr. Alckimin no Capão Redondo e pisei meus pés em Sapopemba para falar com a Marta Suplicy e ainda vi o Kassab colcando vestir um quimono e dizer que estava feliz por ter emagrecido. E sim, não entrevistei, mas cheguei a dois metros do Lula.

Mesmo fazendo Direito, nunca tinha ido ao Largo São Francisco. E, neste último mês, fui ao Largo pela primeira vez, onde cumprimentei o Antonio Candido e disse para Lygia Fagundes Telles que eu sempre choro quando leio A Disciplina do Amor, mesmo tendo lido milhões de vezes. Tomei chá na Unicef, café no Intercontinental e champagne com madame Chantal Joubert, que disse que lutou em 68 no movimento estudantil de Paris para que eu hoje pudesse tomar pílula sem dar satisfação para ninguém 40 anos depois além das tendências de moda para 2009. E, claro, tomei um belo porre na conta da Veja depois de não saber quem era o Patrus Ananias.

Em um mês eu também conversei com o Ruy Othake, recebi um monte de e-mails sobre o show da Madonna, falei com o ministro sobre a venda de peixe no Brasil e conheci o seu Ronan, que me explicou por que a Ceilândia chama Ceilândia. Falei com a Mickey na Holanda e ainda fiquei amiga da Simone, que viu poucas e boas nesta vida. Sem contar, claro, o guia da coxinha de ouro do Moriael e senti o cheiro (bom) do Cielo.

Quantas e quantas pessoas não queriam dar um beijo na Lygia Fagundes Telles como eu dei? E medir o Cielo de perto? Sem contar os inúmeros tietes dos políticos, que teriam um chilique só por eu ter pego uma carona com o Doutor Paulo? Nossa, não quero nem imaginar... E pensar que eu fiz tudo isso em um mês...

Enfim, hoje eu entendo porquê o povo tem tanta inveja, não minha, mas de nós, repórteres. Porque sim, ser jornalista é mesmo a maneira mais glamourosa de ser pobre. Por que quer glamour melhor do que ir na festa de 60 anos do Pão de Açúcar para comer presunto di parma e queijo brie direto do mercado mesmo sem ter sido convidada pelo Abilio Diniz?

Eu entendo esta inveja e até respeito. Provavelmente eu também teria. Mas não do contato com os famosos em geral mas porque a vida de repórter é mesmo muito boa. E eu amo tanto o que eu faço, aliás, acho que não tem como não amar.

Claro, nem tudo são flores. Nossos salários são, enfim, melhor deixar pra lá e está cheio de colega metido que vira a cara só porque você admite que nunca cobriu política antes na vida. Mas eu não me preocupo com estas coisas. Porque eu tenho que usar as minhas energias para dar graças a Deus pela sociedade ter me escolhido como sua representante para reportar tudo o que estou vendo. Sim, porque a minha professora Teresinha acordou às 6h da manhã durante um ano para me alfabetizar. O Tio Vanor curou todas as minhas dores de garganta. O Tião e o Sassá nunca faltaram no serviço e assim me levavam a bordo do 6206 segura até Osasco depois das aulas na Cásper Libero. Sem contar o encanador que levou a água até em casa para que eu pudesse beber e ficar hidratada o suficiente para que meu cérebro funcionasse e enfim, todo o resto do povo que contribuiu para a sociedade. Tudo para que hoje eu noticiasse que o Enéas Filho não é filho do Enéas Carneiro porra nenhuma e que a Luciana Gimenez sabe direitinho quando e onde entrar numa festa. E também que a crise vai demorar para passar, mas o Brasil não precisa se desesperar.

Tem gente que me chama de idealista. Só me acho realista. Eu assinei um pacto social quando escolhi viver em sociedade. Não estou salvando o mundo, só estou fazendo a minha parte. Sou repórter.

Um comentário:

Fabi Madeira disse...

Amei! Tudo o que está escrito é a mais pura verdade. Ser repórter é a forma mais glamourosa de ser pobre. Pena que agora sou editora e perco tudo isso de bom. Amo ir prá rua, ser repórter e fazer tumulto, claro...