quarta-feira, 24 de junho de 2009

O ofício



A primeira vez que me senti no ofício de ser jornalista de verdade foi no dia 15 de agosto de 2007. Quando cheguei naquela manhã ensolarado na redação, meu chefe me perguntou se eu conhecia o Joel Silveira. “Aquele do casamento da Paulista?", perguntei. Era ele mesmo, um dos maiores jornalistas deste país. Era porque ele tinha morrido naquela manhã. Meu chefe então, me incumbiu da missão de “enterrar“ o homem com o reconhecimento que ele merecia.

Conversei com grandes jornalistas, entre eles o José Hamilton Ribeiro, que me fez ganhar o dia. Além de ver o quão longe eu estava perante tantos grandes profissionais, com tantas grandes histórias, eu me senti cumprindo o meu ofício de noticiar, de continuar, meio que de meu jeito louco, um pouco da história de quem tanto noticiou e que, acredito eu, queria ver bem noticiado.

Escrever sobre jornalistas é algo particularmente mais difícil. Você tem a responsabilidade de honrar a tua raça, de se esmerar para estar minimamente à altura daqueles que são inatingíveis em seu ofício. Lembro desta história porque hoje fui incumbida novamente por minha chefe a escrever sobre Vladimir Herzog. “Capriche, porque ele merece". Fica aquela coisa, de homenagear e noticiar da melhor maneira possível, acho que um médico deve sentir do mesmo jeito quando tem que atender outro médico. Acaba sendo um pouco de frio na barriga, um certo de medo de errar com aquele que não pode ser errado. Ou um misto de admiração, homenagem. Mas, acima de tudo, respeito, muito respeito.

Por hora, a matéria publicada em 2007 no Jornal da Tarde:

Morreu uma parte do jornalismo
Joel Silveira, um dos maiores nomes do jornalismo nacional, ex- correspondente dos Diários Associados na Segunda Guerra Mundial, morre aos 88 anos

Ivy Farias, ivy.farias@grupoestado.com.br

'Por favor, capriche.' Foi este o pedido de Maurício Azedo, presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), para este texto sobre o falecimento de Joel Silveira. Considerado um dos maiores repórteres brasileiros, o jornalista morreu enquanto dormia, na manhã de ontem. Caprichar não é tarefa difícil quando é preciso falar sobre os 88 anos de uma vida cheia de feitos como foi a de Joel.

Do casamento da filha do conde Matarazzo até a Segunda Guerra Mundial, o jornalista escreveu textos clássicos do jornalismo brasileiro, como Eram assim os grã-finos em São Paulo, A Milésima Segunda Noite da Avenida Paulista e sua narrativa do encontro com o ex-presidente Getúlio Vargas.

Joel Silveira era um homem simples. Morava com sua esposa Iracema num apartamento em Copacabana, Rio de Janeiro, e rejeitava qualquer grande título. Por sua própria exigência, morreu em casa. Pediu também que não houvesse velório. A filha Elisabeth Silveira decidiu apenas colocar uma música de Beethoven pouco antes da cremação, marcada para hoje no Crematório da Santa Casa, no bairro do Caju, às 15h. 'Ele já deve ter encontrado os amigos Vinicius de Moraes e Rubem Braga no céu', acredita Elisabeth, que nos últimos tempos leu para o pai, que ficara cego. 'Ele perdeu seu maior prazer na vida, que era a leitura. Joel era um bom repórter por ser dotado de grandes sentimentos e ter o domínio da língua portuguesa', diz Maurício Azedo.

Sergipano, Joel adotou o Rio de Janeiro como sua cidade na década de 1930 e começou sua carreira na revista Dom Casmurro, do jornalista Bricio Filho. Ao lado de Samuel Wainer e Rubem Braga, cobriu a Segunda Guerra Mundial para os Diários Associados. 'Dos três, ele era o mais repórter', afirma o jornalista José Hamilton Ribeiro. Sua atuação junto às Forças Expedicionárias Brasileiras (FEB), na Itália, é referência até hoje. 'Joel Silveira foi o maior repórter brasileiro dos últimos 50 anos. Ele deixou um grande exemplo para várias gerações de profissionais com esta cobertura', afirma Cícero Sandroni, jornalista e secretário-geral da Academia Brasileira de Letras (ABL). Antes de partir para a Europa, o repórter ouviu de Assis Chateaubriand, dono dos Diários Associados, a célebre recomendação: 'Não morra, porque repórter não é para morrer, é para trazer notícias'.

Foi o próprio Chatô que o apelidou de Víbora, por seu humor inteligente e ácido. 'Mas ele não era um velho ranzinza, só tinha algumas implicâncias', diz Geneton Moraes Neto, jornalista e diretor do programa Fantástico. Amigos há mais de 20 anos, Joel costumava contar para Geneton que não entendia por que os alpinistas escalavam montanhas sendo que poderiam viajar de avião. 'Ele também dizia que se fosse imperador de Sergipe por um dia proibiria a entrada de João Gilberto e pagaria uma pensão para que o cantor tocasse sozinho numa ilha em que ninguém pudesse ouvi-lo', recorda Geneton.

Ganhador dos prêmios Jabuti, Esso e Machado de Assis, estes dois últimos por sua contribuição como grande repórter e literato, Joel escreveu também mais de 22 livros, entre eles Na Fogueira: Memórias(Ed. Mauad) e Guerrilha Noturna (Ed. Record) e incontáveis histórias para revistas como Manchete e O Cruzeiro. 'Com Joel morre um pedaço da reportagem brasileira. Ele foi mais do que um jornalista, foi repórter. Ele escreveu coisas que só poderiam ser feitas por um brasileiro, com picardia e humor que só ele tinha', fala o escritor Ruy Castro.

Às vésperas de sua morte, Joel comentou com o amigo Geneton que achava a vida injusta, pois criaturas como ele viviam tanto enquanto as borboletas morriam cedo. Pensou também em ter como epitáfio em sua lápide: 'Aqui jaz um desafortunado que, em vida, não conseguiu ler Guerra e Paz no original'. Como um bom repórter que se preze, até nisso Joel Silveira caprichou.

'Joel era só repórter, o verdadeiro repórter. Não há nada no jornalismo melhor que a verdadeira reportagem”
JOSÉ HAMILTON RIBEIRO
JORNALISTA

'Com Joel morre um grande pedaço da reportagem. Ele foi mais do que um jornalista, foi um repórter, grande repórter”
RUY CASTRO
ESCRITOR

'Joel teve uma trajetória longa, fecunda, brilhante. Foi uma das estrelas do jornalismo e figura humana extraordinária”
MAURÍCIO AZEDO
JORNALISTA

Um comentário:

Cris disse...

Repetindo o que um monte de gente já deve ter dito a você: caprichou mesmo =) bjs