quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Contra olho gordo...


- Alô? Quem tá falando ai Mano?
- Boa tarde. Aqui é do gabinete, quer dizer, cela do Arruda.
- É com este memo que nóis quer falar. Bota o mano na linha que nóis tem um recado para ele.

Um minuto de silêncio. A secretária de Arruda olha para o chefe com olhos duvidosos: a ligação é suspeita, mas ali, o que não é? Pelo jeito, o assunto é sério. Depois de perder o apoio dos amigos demoníacos, só restou a ele o consolo dos livros de auto-ajuda. Nos momentos difíceis como aquele, não havia muito a perder.

- Aqui é o Arruda falando, quem é?
- Douto, to ligando aqui em nome do nosso comandante, guenta aí.
- Pois não.

Mais um minuto de silêncio. Apreensão: o que pensar neste momento? Uma voz calma e pausada interrompe os pensamentos.

- Eu iria chamar o senhor de companheiro, mas acho este tratamento muito esquerdinha. Porém, o que somos nós além de dois companheiros no mesmo barco?

Espantado com a educação, com o bom português, o governador pergunta, incrédulo:

- Marcola?
- Marcos, por favor. Como eu estava dizendo, estou sabendo que você está para ser expulso do seu partido. É por estas e outras que eu criei o meu ao invés de me filiar a qualquer um: uma pequena escorregada e pronto, está fora. E todo o esforço que você faz para manter o partido unido, todas as verbas que desvia do poder público para a campanha?

Arruda não consegue acreditar no que está acontecendo: sim, ele mesmo, Marcos Camacho, o terrível e temível Marcola, aquele que parou São Paulo, executa criminosos sumariamente, falava um português impecável. E continuava a falar:

- Sabe, companheiro Arruda, não se preocupe com esta questão. É exatamente por isso que eu estou te ligando, para que você entre para o nosso partido.
- Partido?
- Sim. Provavelmente você nos conhece como Primeiro Comando da Capital, mas sabe como é a imprensa, né? Deturpa tudo, nem uma sigla os repórteres são capazes de escrever direito.
- Não é uma facção criminosa então?
- Nossa, companheiro, assim você me ofende! Claro que não! Você acabou de ser expulso de uma facção- não sabe reconhecer algo diferente?

Arruda pensa, pensa, pensa: sim, o Marcola, ops, Marcos, tem até uma certa razão, mas ele está tão acostumado com os políticos de Brasília livre, leves e soltos, todos de Emernegildo Zegna, não com bandidos. Seu pensamento, então, para um pouco: sim, bandidos? Nunca tinha se visto assim.

- Sabe Arruda, eu concebi o PCC como um partido político desde o começo. Estes ataques, estas coisas todas eu planejei apenas para ganhar público. Marketing, sabe como é né?

O governador pensa enquanto ouve a fala mansa de Marcos: valeria a pena mesmo se filiar aquele partido? Seria pior do que os outros? Teria que pagar para ver?

- Meu departamento jurídico está analisando tudo para nos tornarmos legais. Esta eleição já teremos legenda própria. Estamos apenas com problemas para escolher o número, eu queria 171, mas como só podem dois números... a minha esposa chegou a falar com uma numerologista, estas coisas de mulher, sabe como é né? Mas este ano teremos nossa legenda e queria saber se você pretende se candidatar à reeleição aí do Distrito Federal.

Arruda continuava incrédulo.

- Seria ótimo para o partido ter um governador eleito logo em seu primeiro ano de legalidade democrática. Se você aceitar, em dez, quinze anos, poderemos ter um presidente eleito.

Nem tudo estava perdido: nada como pensamento positivo, santos livros de auto-ajuda! Era só nisso que Arruda conseguia pensar: sua carreira política não estava perdida! Eba!

- Senhor Marcos, posso perguntar uma coisa?
- Naturalmente.
- O senhor está tentando cooptar outros políticos?
- Mas é claro. Já elegi dois deputados federais na última eleição, mas, como disse, as ambições do partido são maiores. Este ano estou apoiando também um candidato à uma vaga no Senado. Por que, o senhor tem indicações? Toda ajuda é bem vinda.
- Não, não tinha pensado em indicar alguém neste primeiro momento, é que estava com medo de ser o único político a me juntar a este partido de bandidos e...
- O senhor não queria dizer o contrário?
- Perdão, eu não quis ofender.
- Que isso não aconteça mais, mas exigo respeito. Somos um partido de gente séria e do bem. Só não vou desconsiderar agora mesmo este convite porque tenho ambições políticas e neste jogo de política nós temos é que dançar conforme a música- ou, sair da pista. Como eu quero dançar muito ainda...
- Posso perguntar que cargo o senhor pretende se candidatar?
- Pode.
- Qual.
- Prefeito.
- Prefeito?
- Sim, por que, mano, algum problema?

A conversa fica tensa. Marcos ainda precisa de um candidato na capital federal. E, por isso, como bom político, sai pela tangente:

- Só mais uma coisa, governador.
- Sim.
- O senhor é parente daquele gostosa da Geisy Arruda?
- Infelizmente, não. Nem a da que combate olho gordo e protege contra mau olhado eu to me relacionando bem...

Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com a vida real é uma mera coincidência.

Um comentário:

Talita Porto disse...

Muito bom! Me senti como se estivesse lendo novamente os volumes da coleção "Pra gostar de ler"... lembra? bjo!