quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Outras palavras



Acho que foi em uma aula de sociologia nos corredores da Paulista, 900 que descobri uma das principais funções do jornalismo: observar a sociedade. O professor disse que nós, repórteres, temos um quê a mais no nosso DNA que nos permite observar um fato e ver ali uma história a ser contada. O jornalista, disse ele, tem o dom de ver a notícia, não de criá-la. Por isso eu não entendo jornalista que não noticia, e sim polemiza.

Digamos que entre hoje e amanhã eu engravido. Nove meses depois, tenha um rebento nos braços. Mais seis meses depois eu volto a trabalhar. O que os eventuais quilos durante a minha gravidez afetariam o meu trabalho? Que eu saiba, os ministros não iam olhar para minha cara e falar "Nossa, como você está gorda". E pelo que eu sei, quilo a mais não me impediria de fazer perguntas em coletivas.

Mas digamos que eu, ao invés de ser abençoada com um DNA jornalístico, ganhasse na loteria genética uma voz de sereia e estivesse na mesma situação, de voltar a trabalhar depois de ter um bebê: o que os quilos a mais poderiam atrapalhar a minha voz? Que eu saiba, também nada. E por quê então a imprensa insiste em escrever que a Ivete Sangalo está acima do peso? Quem aqui sabe informar o peso ideal dela para que ela esteja acima? Por que a imprensa não informa simplesmente as músicas que ela cantou, como o povo reagiu, as palhaçadas que ela falou? Não, os repórteres estão apenas interessados no peso dela, como se isso tivesse alguma relevância no trabalho dela.

"Ivete Sangalo, que ainda luta para recuperar a boa forma depois do nascimento de seu primeiro filho, Marcelo, contou que emagreceu quatro quilos durante o carnaval ao chegar para o tradicional "arrastão" da quarta-feira de cinzas, em Salvador. "Passei o ano todo tentando e agora estou gostosa de novo", disse. Isso, para mim, é mais um exemplo de deserviço ao jornalismo, além de alimentar, ou melhor, estimular, já que a ditadura da magreza não se alimenta, já que ela é magra.

A própria Ivete declarou que não está nem aí com os quilos a mais e que os fãs a entendem, tem consciência de que ela, como toda mulher do país, está retornando ao trabalho após a licença-maternidade. Mas a imprensa parece não compreender e ao invés de observar, fica julgando a cantora.

No ano passado, outra cantora da Bahia foi avacalhada não na praça, mas nos veículos de comunicação de todo o país. Ao invés de falar que ela estava gorda, todos criticavam porque ela tinha voltado ao peso normal e estava com um corpão de dar inveja. Claudia Leitte rebateu as críticas com um argumento que achei imbatível: ela tinha puxado à mãe dela, que emagreceu em semanas depois que pariu.

Na hora que li, dei risada ao lembrar da minha mãe, que saiu da maternidade depois de ter o meu irmão com a mesma calça jeans que usava antes de engravidar. Foi assim com a minha mãe, foi assim com a dela, isso é relativamente normal (conheço uma moça que teve gêmeos recentemente e ninguém diz). Por que então, que com a Claudia Leitte seria diferente? E por que ela teve que ser tão julgada, como uma pessoa irresponsável que só se preocupou com a estética?

Pelo que vejo, estão tirando o foco das reportagens, que é informar, para simplesmente polemizar sobre um assunto tão rídiculo quanto o peso e a forma física da Ivete Sangalo- e da Claudia Leitte. E este não é o nosso papel, nosso papel é olhar para a sociedade e informar o que vemos, não o contrário. Estas outras palavras usadas chegam a ser cruéis se levarmos em conta que não estamos falando da Ivete profissional e sim de uma mulher que acabou de ter um bebê. Se fosse com uma anônima, fariam tanto auê?

Não julgo a Claudia Leitte nem bem nem mal porque realmente acredito que ela tenha o corpo que tem por questões genéticas e sobre isso não há o que opinar. Mas para Ivete... essa eu realmente bato palmas por ser uma guerrilheira da saúde e ter trabalhado linda, maravilhosa e gostosa no carnaval da Bahia com o corpo que Deus lhe deu. E que se foda a ditadura da magreza!

Um comentário:

uma mulher de vestido disse...

Engraçado que acabei de ver no Twitter alguém comentando que a Ivete Sangalo 'tá acabada'. Li e fiquei pensando: acabada como? Não tá cantando bem? Ou será que este comentário é sobre a aparência dela? Tudo bem... era alguém dizendo qualquer coisa por falar. Mas, a imprensa? Fico abestalhada com este tipo de comentário (peso, roupa, cabelo )sobre atrizes, cantoras, ministras... vindo de um profissional que devia se preocupar com 'outras coisas'. Por que é que mulheres precisam sempre estar presas à rígidos padrões de beleza? Cantora tem que cantar! Atriz tem que atuar! Ministra tem que ministrar (hehehe)! E jornalista tem que noticiar o que de fato importa para a sociedade! (Tá vendo que também fico indignada, né?).
E, a propósito: emagreci 12 quilos enquanto estava amamentando minha filha. E isto não afetou meu trabalho em nada.