Quem mora em São Paulo sabe do que estou falando. Quem mora no Brasil também deve saber, porque vira e mexe a TV mostra em rede nacional o quão paradas as Marginais de São Paulo podem ficar. O fato é que duas grandes avenidas, às margens dos rios, como os nomes sugerem, são as rotas diárias de milhares de paulistanos. Tal e qual o Tietê, o rio, a Marginal Tietê liga a Zona Oeste à Zona Norte, passando pelo Centro e pela Zona Leste, enquanto a a Pinheiros, a Marginal, tal e qual o rio Pinheiros, liga a Zona Oeste à Zona Sul. E por causa de tantas ligações, as Marginais estão sempre entupidas pelos caminhões, os maiores vilões do trânsito da metrópole.
Não chamo a Marginal de caos porque eu acredito que o caos seria movimentado e a marginal vive parada. Mas para Roberto, a marginal realmente virou um caos dia destes. Era uma quinta feira pela manhã e o meu colega iria trabalhar, como mil(milhões? Milhares?) de paulistanos, pela Marginal, naturalmente.
Quando o relógio marca 7 horas da manhã num dia de semana, normalmente a marginal está parada. E estava. Infelizmente o que não parou foi o intestino de Roberto, que resolveu funcionar naquela hora, naquele lugar, parado, longe de qualquer banheiro. E de qualquer possibilidade, porque a marginal não tem nem moita. Sua barriga se mexia incontrolávelmente, ele não fazia idéia que o sinal da natureza poderia se dar em local tão inapropriado, de forma tão abrupta, tão necessária e tão urgente.
Enquanto estava, parado, na terceira faixa, ele pensava em uma solução para sair dali. Sem solução, porque estava tudo parado, Roberto começou a se lembrar de tudo que estava relacionado ao ato de obrar. Lembrou se daquela piada infame que circulava nos emails de desocupados, que dizia que o fiofó queria ser o novo chefe do corpo humano. E o rim, o fígado, o estômago, o coração, enfim, todos os órgãos mais populares riram dele dizendo que como um “órgão” tão sujo e feio poderia ser o chefe do corpo. O fiofó parou de funcionar, quase criando uma crise geral no corpo humano. E lembrava da moral da história: “qualquer cuzão pode ser chefe, até o seu”. Ele riu, mas aquilo não parava suas fezes que estavam a caminho.
Mas o fez se distrair e lembrou se ainda da piada da freira que fazia palavras cruzadas no ônibus, quando foi interrompida por um cidadão de rua. “Feio e fedido!”, disse a freira, referindo se ao mendigo, que não deixou barato: “Se for com duas letras, é c*****”. E riu mais ainda.
E foi lembrando se de todos aqueles comerciais de perfumes para banheiro, desde os para por na privada ou os que tem um botão para neutralizar o desagradável odor, a maioria protagonizados por crianças sem dentes e mulheres atuando como mães perfeitas. Ah, como aquele banheiro lhe pareceu mágico, quase um pedaço do paraíso. E pensou que daquele dia em diante, se conseguisse chegar a um banheiro com as cuecas intactas, iria sim, dar mais valor ao banheiro nosso de cada dia.
E todos estes pensamentos não pararam seu intestino, que deu o ar de sua (des) graça ali no carro mesmo, sem água, sem papel higiênico, neutralizador de odores, nada. E apesar de seu carro não ter aquelas películas pretas, pelo menos ele ainda estava protegido pela privacidade do seu carro. Afinal, quem iria advinhar que ele estava ali, em plena Marginal, parada, todo cagado? Um advogado de terno e gravata estava acima de qualquer suspeita.
Sem ter mais o que fazer, entrou no primeiro retorno e voltou para casa, todo cagado, uma hora e meia depois. E no banho, tentando se consolar que já fizera isso antes- quando era um bebê- Roberto passou a procurar uma solução para o que aconteceu com ele não acontecesse com mais ninguém. Como não há como prever o organismo, ele refletiu que o melhor seria instalar banheiros na Marginal. Isso mesmo, banheiros, como aqueles químicos, que ficam em shows, manifestações populares, espalhados pela margem do rio.
De início, achou sua própria idéia maluca, mas por não ter encontrado outra solução, passou a planejá-la. Que mal haveria ter banheiros instalados na Marginal? A avenida vivia parada mesmo, era só o motorista descer do carro, trancar, usar e voltar, que estaria na mesma posição. Passou a articular: mas seria um banheiro para homens e outro para mulheres? Depois de uma rápida pesquisa por todos os estabelecimentos da cidade, achou que o mais sensato era ter um espaço reservado para cada sexo.
Tudo planejado, como executar? O certo seria a prefeitura, que custearia. Mas sua visão de marketing logo lhe deu uma brilhante idéia para convencer o prefeito: aquelas mesmas empresas que fabricam perfumes para latrinas e banheiros poderiam patrocinar a idéia. Sem contar, claro, que a popularidade do cara iria para as alturas.
De posse de toda sua influência e poder, marcou um horário com o dignissimo chefe da cidade. E foi. Naturalmente que o prefeito riu da cara dele e perguntou de onde Roberto tinha tirado idéia tão estapafúrdia, que respondeu que foi sugestão de um amigo do amigo que passou por uma situação em que literalmente se cagou nas calças. O prefeito, que já havia feito coisas tão estapafúrdias quanto àquela idéia, pensou que vereador algum votaria a favor daquilo e resolveu dar a cara para bater. Afinal, ele sempre foi um desconhecido da população, apesar de ser uma figura pública, sua vida era quase íntima, tal a falta de interesse do povo.
Um mês depois o projeto de lei estava na pauta da Câmara. Claro que foi ridicularizado, todos riram, os jornais fizeram a festa por ter mais uma notícia bizarra, mas, por incrível que possa parecer, a Marginal fez muita gente se cagar nas calças e o projeto foi aprovado. Roberto, feliz, convenceu um amigo de infância, dono de uma agência de publicidade na própria Marginal Pinheiros a apoiar a idéia e jogar pesado para conseguir propagandas e afins. Como brasileiro se deixar compra até merda empanada, os W.C. das Marginais chegaram na cidade com as portas com anúncios de um fabricante de papel higiênico. Em uma semana, devido ao sucesso, diversas moças, daquelas bem bonitas que ficam demonstrando produtos no mercado, estavam na porta dos reservados devidamente uniformizadas, com panfletos e aquele sorriso simpático no rosto: “Gostaria de experimentar nosso perfume para banheiro?”.
Roberto, do alto do seu escritório na Marginal Pinheiros, sorria com o sucesso daquela idéia, que no fundo foi uma grande cagada.
segunda-feira, 15 de dezembro de 2008
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário